Crato (CE): Cidade ganha a sua própria Cartografia Cultural
Conhecido como o "Caldeirão da Cultura", este Município do Cariri cearense ganhou importante instrumento para as políticas públicas culturais: a Cartografia Cultural do Crato. Lançado no dia 17 deste mês, em forma de livro, o trabalho foi organizado entre 2014 e 2016, pela então secretária de cultura Dane de Jade. Foram registrados 382 verbetes, divididos em três eixos: Patrimônio Natural e Práticas Culturais Sustentáveis; Patrimônio Cultural; e Equipamentos e Artes. Estes três eixos foram divididos em 14 categorias e 11 seguimentos sistematizados.
O mapeamento foi realizado entre a Secretaria de Cultura do Município, o Laboratório de Geoprocessamento da Universidade Regional do Cariri (Urca) e muitos colaboradores. Foi feito um levantamento bibliográfico e, também, disponibilizado um cadastramento online para os agentes da cultura. Em seguida, as equipes coletaram os dados em pesquisa de campo para o reconhecimento de atores, saberes, grupos, entidades e instituições envolvidas com as dinâmicas socioculturais do território.
Segundo Dane de Jade, gestora cultural e organizadora do livro, a ideia surgiu para que a Secretaria de Cultura criasse uma ferramenta de pesquisa e gestão. "Como vai gerir um município sem saber das questões? Para estabelecer uma política pública de cultura, é necessário conhecer os meandros, os seus diversos aspectos", garante Dane.
O trabalho, em si, começou a partir de 2013, com a criação de uma pasta específica no Município. Até então, a Prefeitura de Crato trabalhava com a Cultura anexa aos setores de Esporte e Juventude. No ano seguinte, começou o cadastramento da cartografia. "A complexidade da cultura é muito ampla, tem um espectro cultural muito grande disso. O Crato é o epicentro disso. A gente começou a pensar a cartografia a partir dessas questões", lembra Dane de Jade.
No livro, há uma breve descrição do material catalogado, com sua localização e contato. Além disso, há fotos descrevendo as categorias, referências bibliográficas de ampla pesquisa da cultura cratense, projetos de leis deste setor e um mapa do Município mostrando todos os equipamentos que fomentam a cultura no Crato. "É uma ferramenta que vai subsidiar a pesquisa, gestão e informação", completa a gestora cultural.
A publicação reúne grupos de tradição popular, músicos, culinária, prédios históricos, turismo natural, lendas, festas, patrimônios naturais, práticas produtivas sustentáveis e as diversas linguagens artísticas. O projeto, inclusive, continuará com o autocadastramento online dos atores dos mais diversos campos culturais. A cada dois anos, uma nova cartografia está prevista para ser lançada com a atualização desses dados.
Patrimônio Cultural
A Cartografia Cultural do Crato contempla as mais diversas linguagens artísticas, inclusive os reconhecidos Mestres da Cultura do Ceará. O engajamento na cultura destes atores vem desde criança e o trabalho dos mestres é repassar seus saberes para os mais jovens. "Faço isso para não morrer a cultura popular", explica José Demétrio Araújo, o Mestre Cirilo, que atua no maneiro-pau, coco e reisado.
Reconhecido como Mestre da Cultura em 2005 pelo Governo do Estado, Cirilo começou aos 9 anos e há 23 montou seu próprio grupo, mas nunca esqueceu o aprendizado que teve com seus antigos mestres, como Aldenir, Tico e Dedé de Luna. Hoje, no maneiro-pau, tem um grupo adulto e um infantil, no distrito Bela Vista. A partir dos 6 anos, a criança já entra na brincadeira. "Quando estão doentes ou não querem vir, coloca um do pequeno. O que vai ficar mantendo o grupo são eles. Por isso, formei outros, um grupo na Ponta da Serra e outro na Catingueira", conta mestre Cirilo.
Zulene Galdino, ou Mestre Zulene, reconhecida pelo governo do Estado em 2006, iniciou seu trabalho em 1975, quando começou com a quadrilha junina "Maçã do Amor", no pé da Serra do Granjeiro. Depois, ganhou notoriedade por organizar o grupo "Moranguinho da Criança", campeão do festival de quadrilhas de Crato 25 vezes. Hoje, aos 68 anos, Zulene também se dedica ao maneiro-pau e à lapinha, herança de seus pais: Luiz e Maria Galdino.
"Pai ensinou a marcar quadrilha e mãe ensinou a lapinha. Ele também me ensinou a jogar maneiro-pau. Dizia: 'você vai fazer a rima e toca pra frente'. Assim, eu fazia pareia menino e menina, quando os meninos não queriam, eu formava só com as meninas. Mas a cultura pode desenvolver homens e mulheres. Todos precisam saber o que é a cultura popular. Não vamos deixar é ela se acabar", defende Mestre Zulene.
Nos versos que começou com o pai, Mestre Zulene, além de poetisa, é contadora de histórias. No improviso, consegue criar as rimas que denunciam, por exemplo, a desigualdade social. "Só porque tem muita terra e tem gado com fartura / E tem o carro bonito passado na escritura / Cuidado com seu mistério que, um dia, no cemitério, nossas carnes se mistura", canta.
Equipamentos
Inaugurada em março de 2017, a Vila da Música Solibel, no distrito de Belmonte, atende 580 alunos de qualquer faixa etária para as aulas de música: canto e instrumento. Tudo gratuito. Os cursos são de violino, violoncelo, contrabaixo, clarinete, trompete, trombone, tuba, saxofone, flauta doce, transversa, piano e teclado. Apesar de não estar na atual catalogação, o espaço é uma herança de um trabalho realizado há 50 anos, pela Sociedade Lírica do Belmonte, presente na Cartografia Cultural do Crato, que transferiu suas atividades para o novo prédio.
O espaço é gerido pela Secretaria de Cultura do Estado junto com o Instituto Dragão do Mar de Arte e Cultura, de Fortaleza. As aulas são ofertadas por profissionais do Município, muitos deles do distrito de Belmonte e que aprenderam a tocar por meio da Solibel, criada pelo Padre Ágio Moreira. Com a criação da Vila da Música, o atendimento foi ampliado, pois foram entregues, além de uma nova estrutura, mais instrumentos musicais.
"A nossa proposta é formar e fomentar a carreira no campo da música. Além das aulas, tem apresentações artísticas, concertos didáticos, intercâmbios com músicos de fora. De certa forma, a gente está buscando uma convergência de ações que possa resultar na formação de novos talentos para sair do Cariri e se apresentar mundo afora. A expectativa é que seja uma referência de formação artística", conta Mano Grangeiro, assessor técnico da Vila da Música.
O estudante Otávio Nunes, 17, começou a tocar violino a partir da influência do pai, que era músico. A partir dos 11 anos, ele frequentava as aulas no antigo prédio da Solibel. "Na nova estrutura, a aprendizagem está melhorando", conta. Enquanto o instrutor, Nielson Medeiros, morador de Belmonte, reforça a melhora do espaço. "As aulas agora acontecem semanalmente, de segunda a sexta. São teóricas, práticas e em conjunto", explica.
Outro local presente na cartografia e que recebe muitas atividades culturais é a Organização Não Governamental (ONG) Base Educultural de Ação e Organização Social (Beatos), localizada no bairro Lameiro. Criada em 2008, lá funciona a Casa Museu, rica em materiais da cultura popular: música, reisado, artesanato, religiosidade, entre outros. No local, também há uma biblioteca e o Memorial do Boi.
A ONG Beatos é um sítio acolhedor, que recebe expressiva visita de crianças de escolas, além de encontro de artistas locais para fomentar a música, dança, poesia e outras linguagens. No galpão acontecem as vivências, encontros e cursos destinados à comunidade. Um espaço, também, de preservação da memória da tradição, pois, ali já foram realizadas apresentações de reisados, bandas cabaçais, maneiro pau, coco e repentistas.
Práticas Sustentáveis
O Assentamento 10 de Abril é uma comunidade da zona rural de Crato marcada pela luta pela terra, resistência e atividades culturais. A história dela começou em 1991, quando agricultores ocuparam o Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, exigindo chão para trabalhar. "A gente trabalhava para patrão, tirava pouca alimentação e ainda ficava metade para ele. Lucrava mais que a gente e nós não saia da miséria", lembra Maria Agostinho, 61.
Com articulação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), e após ocuparem o Caldeirão por 23 dias, no dia 10 de abril de 1991, o governo do Estado cedeu as terras na Carnaúbas dos Gerais, onde hoje está a comunidade batizada com a data da conquista. Nas primeiras barracas de lona e casas de barro, começaram as experiências destes agricultores.
Após vários anos de luta, a comunidade conseguiu construir seu açude, receber energia elétrica e melhorar seu modo de vida. Atualmente, possui um Centro Cultural, Unidade Digital com acesso à internet, campo de futebol, capela e rádio comunitária. Inclusive, o grupo de jovens criou o espetáculo de teatro "Raízes e Frutos do Caldeirão", que conta toda a história do assentamento.
O sucesso comunitário do 10 de Abril está registrado na categoria Práticas Culturais Sustentáveis, na Cartografia Cultural do Crato. Isso porque, além das manifestações artísticas, as mulheres de lá trabalham com Agroecologia. Por meio dos projetos sociais, conseguiram o acesso às cisternas, ampliar a criação de pequenos animais, produzir frutas, legumes e verduras sem aditivos químicos. Duas agricultoras, entre elas Maria Agostinho, fazem parte, há 12 anos, da Feira Agroecológica da Associação Cristã de Base (ACB), realizada semanalmente.
O que eles pensam
A Cultura está fortalecida?
"Agora temos a universidade, escolas profissionalizantes e a Vila da Música. Estamos criando mais espaços para músicos. Antes, tinha que ter formação em Fortaleza. Hoje há mais espaços para exibir"
Maestro Felipe Silva, Músico
"O Cariri, por si, é uma região muito fértil. O que a gente percebe é que a chegada dos equipamentos vem para fortalecer essa vocação natural que a Região tem para a música e para as artes"
Mano Grangeiro, Administrador e gestor cultural
ANTONIO RODRIGUES
COLABORADOR
Fonte: Diário do Nordeste
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